Texto de Holland Cotter, originalmente publicado no New York Times em maio de 2016, para a então recém inaugurada exposição do Jewish Museum - "Roberto Burle Marx: Brazilian Modernist"
Retornamos ao Éden preservando o que existe do original, ou criando nossas próprias versões do mesmo. Roberto Burle Marx, o grande arquiteto paisagista brasileiro, fez ambos. A partir da década de 1930, principalmente na América do Sul, ele projetou alguns dos parques e jardins mais distintos do mundo moderno, desde uma imensa tatuagem num calçadão do Rio de Janeiro até coberturas ajardinadas em uma cidade esculpida do dia para a noite, Brasília. No processo, ele se tornou profundamente determinado a salvar o paraíso amazônico que o cercava, lutando para deter sua devastação e transformando sua casa, próxima ao Rio, em uma fazenda de resgate botânico, um santuário para uma das maiores coleções de plantas tropicais do mundo.
Apesar deste pioneirismo ecológico, seu nome, embora monumental no Brasil, não é amplamente conhecido em Nova York. Não é surpresa. Não existe aqui nenhum parque ou jardim desenhado por ele para ser experienciado. O design de paisagem, um gênero fundamentalmente sensorial, não se adapta facilmente a museus. A última exposição de sua carreira em Nova York foi em 1991, no Museu de Arte Moderna, e parece não ter atraído muita atenção. Espero que "Roberto Burle Marx: modernista brasileiro", agora no Museu Judaico, o faça. Ele merece. É uma exposição adorável e impressionante.
Uma das tapeçarias de Burle Marx em exposição no Paço Imperial, Rio de Janeiro
Entre outras coisas, essa exposição mostra que as contribuições estéticas de Burle Marx foram além dos jardins. Ele também criou murais decorativos em azulejos cerâmicos, painéis esculpidos em madeira e pedra e imensas tapeçarias de lã, uma das quais ocupa uma parede inteira na galeria principal desta exposição. Também sugere que este artista, que morreu em 1994, finalmente encontrou seu lugar dentro de um movimento de ativismo ambiental que ele mesmo, há muito tempo, ajudou a criar.
Mural de azulejos e jardins do Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro
Nascido em uma família extremamente tradicional - seu pai era um comerciante e imigrante judeu alemão, sua mãe, uma católica brasileira de classe alta - aos 18 anos esteve em Berlim absorvendo Picasso, o expressionismo alemão e as paisagens elétricas de van Gogh, cuja influência levaria para a América do Sul. Lá ele também viu, como que pela primeira vez, a flora nativa de sua terra, exibida como importação exótica no museu botânico da cidade. Uma vez de volta ao Brasil, e estudando pintura na Escola Nacional de Belas Artes do Rio, voltou sua atenção para plantas locais.
Seus interesses em arte e botânica se fundiram em 1932 quando um de seus professores, Lúcio Costa, o arquiteto modernista e futuro planejador de Brasília, conseguiu para ele um estágio projetando o jardim de uma casa particular. Dentro de dois anos, Burle Marx foi diretor de parques e jardins em Recife, a cidade natal de sua mãe. Em 1938, ele já estava assumindo grandes obras públicas e privadas, entre as quais aquela que lhe renderia a sua reputação, para o Ministério da Educação e Saúde no Rio.
Vista aérea do jardim na cobertura do Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro
Para ele, a pintura e o design da paisagem eram formas de arte inseparáveis, se não idênticas: falava de design como forma de pintar com vegetação, mas reconhecia suas dimensões distintas, que incluíam o toque, o som, a fragrância e a mudança com a passagem do tempo. Na exposição é possível vê-lo desenvolver sua opinião sobre isso, que se inicia com estudo acadêmicos tradicionais de árvores alinhadas em perspectiva, passa por pinturas leves de bosques e folhagens à moda de Matisse e culmina em seus planos para o jardim do telhado do Ministério da Educação e Saúde, quando vem a revolução.
O prédio foi projetado por Lúcio Costa, assistido pelo jovem Oscar Niemeyer, e com ninguém menos do que Le Corbusier como consultor. Burle Marx ascendeu brilhantemente à ocasião, produzindo um jardim inteiramente de vegetação nativa definido em canteiros cheios de curvas orgânicas. O estudo de gouache para o seu projeto poderia passar por uma pintura abstrata à maneira de Jean Arp ou Miró.
Estudo em gouache para o Ministério da Educação e Saúde
Muitos outros, e mais elaborados, estudos seguiram ao longo dos anos. Vários foram colaborações com Niemeyer. Alguns, como um plano de jardim para o Ministério do Exército em Brasília e outro para o Banco Safra em São Paulo, foram meticulosamente codificados por cores: os jardins acabados apresentaram, em parcelas de vegetação e pedra esmagada, ou pavimento pintado, cores e formas muito similares às dos estudos.
Vista aérea da recém construída Avenida Atlântica, nos anos 1970
Um dos projetos mais célebres de Burle Marx são os quatro quilômetros da Avenida Atlântica, desenhados em 1970 para a orla de Copacabana no Rio. Uma colcha louca de padrões abstratos com curvas e torções em pedras brancas, pretas e avermelhadas, não é o seu conceito mais original. A ideia é baseada em modelos portugueses. Mas é aquele que talvez melhor alcança seus objetivos de ativar visualmente o espaço público e dar prazer, indiscriminadamente, ao número máximo de pessoas. Você não anda pelo passeio, você dança; seus ritmos visuais tem batidas de samba.
Com sua energia interdisciplinar, Burle Marx não precisava se aquecer ou distrair. Quando ele não estava fazendo coisas (esculturas, jóias, trajes de teatro, toalhas pintadas à mão), ele estava coletando: uma pequena seleção de suas participações significativas na arte popular brasileira, muito católica romana em tema, está na exposição . Em uma carreira de seis décadas, ele criou cerca de 2.000 jardins, auxiliado em anos posteriores por seu associado de longa data, Haruyoshi Ono. Muitos desses planos, embora arduamente perseguidos, nunca foram executados.
Detalhe dos padrões geométricos de Burle Marx para a Avenida Atlântica
Em 1993, o governo alemão pediu a Burle Marx que criasse um espaço público na unificada Berlim. Como em memória de seu pai, a localização que ele escolheu era uma praça negligenciada que já havia estado no centro de uma comunidade judaica da Europa Oriental. No final, a proposta que ele apresentou foi recusada, mas a idéia de homenagem a sua herança estava claramente fixada em sua mente. Ele estava trabalhando em projetos de jardins para a Universidade Hebraica de Jerusalém e para uma nova sinagoga em São Paulo no momento da sua morte.
Ateliê no Sítio Roberto Burle Marx, em Guaratiba, projetado pelo mesmo
Em última análise, o jardim que ele mais se importou foi o dele mesmo, uma paisagem acumulada, em vez de especialmente composta, em sua casa em uma antiga fazenda fora do Rio. Doado pelo artista ao governo brasileiro e agora conhecido como Sítio Roberto Burle Marx, o jardim aqui combina elementos de projetos passados: espelhos d’água, fontes, aglomerados de selva, matas de arbustos que abrigam a vida selvagem e mantas multicoloridas de gramíneas ornamentais.
Talvez o mais importante, a propriedade é casa, ao ar livre e em vastas estufas, para mais de 3.500 espécies de plantas, a maioria nativa, cerca de 50 delas descobertas pelo artista em suas repetidas e cada vez mais angustiadas viagens exploratórias para a floresta amazônica. O Sítio pode ser o seu verdadeiro monumento. É certamente o mais pessoal de seus muitos Edens preservados e construídos. É o que o paraíso deve ser: o infinito encontrado no cercado, incorpora uma visão da natureza guiada por dois sentimentos, uma vez descritos por Burle Marx como "o amor que nos impulsiona e a humildade que nos corrige".
Texto original de Holland Cotter para o New York Times, tradução livre.